No início lhe pareceu que nada de trivial acontecera até se dar conta que nada se movia ao seu redor. Quando olhou para o interior do Grimoire viu uma lenta e ondulante coluna de luz espiralar-se para fora dele com a delicadeza de uma pétala deslizando pelo ar. Pequenas luzes começaram a se insinuar cintilando como estrelas que haviam descido por todo o ambiente, mas quando olhou para os lados, Poliphilo e Elzevir não estavam mais ali. Ela tentou ficar calma e moveu sua mão para tocar o ondulante pilar de luz. Seu gesto nem concluiu-se, pois ele foi ao seu encontro dissipando-se com um segundo braço que tocou-a com delicadeza, sentido suas intenções.
Gio principiou por mover as mãos e observar a energia acompanha-la. Era como algo que podia modelar-se a sua vontade. Seu receio foi se dissipando e então ela percebeu algo mais: as pequenas luzes vistas de perto eram letras luminosas, flutuando. Assim que aproximou a palma para tocar uma delas o ar se abriu com uma ondulação revelando trechos dourados de páginas, soltos no ar. Ao afastar-se elas desapareceram. Moveu novamente a mão como quem move uma superfície líquida e o ar abriu-se novamente mostrando frases e mais frases suspensas como se todo o ar fosse o livro.
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Sim, é isso. Estou dentro do Grimoire! Isto é o Grimoire por dentro! É um universo aqui dentro.
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Assim que pensou nisso todo o ambiente ao seu redor dissipou-se e ela estava flutuando num espaço infinito e luminoso revestido de luzes, mas agora surgiam também imagens e lugares quando ela abria literalmente o espaço a frente, com suas mãos. Ela mesma se via muito mais etérea, como se seu corpo ganhasse as propriedades do Grimoire.
Era capaz de transformar-se como Elzevir, como um biblios? Ali dentro sua capacidade de ler aquele livro a fazia ter um poder imenso. Ali não haviam limites ou fronteiras e isso era algo incrível e excitante. Ela conseguia distinguir muitas coisas que pareciam ser lugares conhecidos de Poliphilo. Tantas maravilhas e memórias. Era demais para ver de uma vez só, mas seus olhos começaram a focar apenas num ponto de luz imenso que continuava a se aproximar inexoravelmente. Seria o ápice da capacidade daquele Grimoire?
Repentinamente não havia medo nem cautela ao olhar para aquele ponto. Ali era um lugar totalmente seguro e reconfortante. As cores por vezes surgiam como ondas caprichosas juntamente com imagens que se materializavam e misturavam-se a formas e arabescos desenhados no ar, como fios de ouro caprichosos ou letras que esvoaçavam escondendo trechos e trechos de páginas soltas no ar. Parecia um pequeno caos criativo esperando um comando e talvez fosse isso que ela devesse fazer.
Focou sua concentração na luz e uma onda majestosa de sensações veio em sua direção como um tsunami, atingindo-a e produzindo um tremendo êxtase físico. Ficou paralisada por segundos. Parecia demais para um primeiro momento. Logo pode divisar outra pequena luz esvoaçando próxima dela, tentando chamar-lhe a atenção. Fez um tremendo esforço para focar naquele ponto, pois a sensação que estava preenchendo-a era extremamente arrebatadora.
Fechou os olhos por um segundo e concentrou-se o mais que pode. Quando abriu os olhos viu o Grimoire de Salomon flutuando diante de si como um pequenino pássaro a bater suas páginas como asas.
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Um guia. Você está me guiado, pequenino? Preciso de ajuda para não me perder nesta sensação. Me leve de volta.
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Mal finalizou seu pensamento e sentiu seu corpo diante do Grimoire fechado, novamente na fortaleza. Ela arfou assustada e olhou ao redor. Estava tudo lá, Elzevir e Poliphilo a observavam atentamente. O pequeno livro de Salomon não estava ali, só existira dentro do Grimoire de Poliphilo e ela procurou o pequeno biblios com o olhar para vê-lo sentado no mesmo lugar que estivera momentos antes.
— O que aconteceu? O que eu fiz? — perguntou por fim.
Poliphilo caminhou até seu Grimoire e o tocou. Ficou alguns segundos concentrado e finalmente lhe respondeu:
— Você o leu, Giovanna. Você o leu por completo.
— Mas, eu não fiz nada. Quer dizer. Eu entrei aí dentro e haviam milhões de coisas, milhões. Também tinha aquela sensação imensa... eu fiquei paralisada por um momento, se não fosse o Grimoire de Salomon. Eu não sei, só sei que estava lá e me guiou. — Parou um pouco, confusa. Poliphilo sorriu para Salomon que caminhou animado e olhou para ela. Elzevir tocou no ombro do pequeno e sorriu. — Não sei como o livro estava lá dentro, mas me ajudou muito. Eu fiquei meio perdida. Aconteceu alguma coisa aqui fora enquanto eu estava lá?
— Não. Você não percebeu, mas manteve toda a energia do Grimoire dentro dele. Você o controlou. Agora só basta saber mover a energia para fora usando suas habilidades. — Elzevir explicou.
— Como eu faço isso?
Poliphilo fez um gesto que levou o seu Grimoire a desaparecer do mesmo modo que o tinha trazido. Rapidamente pegou um livro numa das estantes próximas. Mostrou-o para Gio e sorriu.
— Venha. Agora começa seu treinamento. Se tinha perguntas para fazer é sua chance. — Caminhou para um dos corredores laterais e abriu uma porta. Gio correu, mas parou antes de entrar, olhando para Elzevir e Salomon que ficaram para atrás. Seu anfitrião sorriu e fez um gesto com a mão.
— Continuem. Eu tenho mais o que fazer. — Virou-se e cutucou o pequeno biblios para segui-lo.
Gio entrou na sala e era uma grande e confortável sala de leitura que parecia mais um dos lugares secretos da fortaleza. Havia um antigo e grande divã de couro esverdeado perto de uma lareira que iluminava calmamente o ambiente. Era como se de repente estivessem num dia de Inverno em algum lugar do mundo. Haviam plantas decorando a antiga saleta e uma manta xadrez estava jogada sobre uma poltrona, convidando a ficar ali por muito tempo.
Poliphilo fez um gesto para que Gio sentasse perto do fogo e ele fez o mesmo ao seu lado. Tirou seu chapéu e o deixou sobre uma mesinha, junto com o livro.
— Me conte. O que você viu?
Gio respirou fundo e tentou botar ordem em suas descrições. Poliphilo ouvia com cuidado e sorria a cada adjetivo que ela tentava acrescentar para definir sua experiência. Quando finalmente terminou soltou um suspiro como se estivesse um tanto decepcionada.
— Não foi nada demais, não é? Pensei que ia ter toda aquela coisa incrível da primeira vez, mas sem desmontar a fortaleza.
— Acho que não entendeu — ele inclinou-se para perto dela. —, você conteve tudo aquilo dentro do Grimoire e o controlou por dentro para poder ver o centro do Gnósis contido nele. Aquilo que viu e lhe deu uma sensação tão intensa foi o Gnósis interno do Grimoire.
“Essa força interior, seu ápice, eu mesmo nunca pude ver. Existe um limite de poder que extraímos do que criamos, mas aquilo que está uma camada acima dentro de uma criação, só você consegue acessar, senhorita artesã.
Hoje você lhe disse como se comportar e agora que já viu seu todo, poderá chamar o que há dentro dele para fora, controlando isso como um de nós, só que com muito mais poder.”
— Eu... o que o livro de Salomon estava fazendo lá? — Lembrou-se de repente.
— Estava lá para manter tudo seguro. Eu guardei o pequeno livro dentro do meu Grimoire e isso lhe deu estabilidade para uma novata navegar dentro dele. — sorriu.
— Então se pode fazer isso? Guardar um Grimoire dentro de outro?
— Não. Só Salomon pode fazer Grimoires que entram em outros. Ele é único. — disse com um suspiro. — Ele é especial.
Poliphilo pegou o livro sobre a mesa e o mostrou para Gio.
— Todo livro tem um certo nível de Gnósis, alguns mais, alguns menos. Os mais antigos e raros possuem níveis extraordinários dessa energia criativa, derivado dos seus muitos elementos de composição. Este aqui tem um Gnósis como todos os outros, mas a energia original pode ser aplicada para outros objetivos, outras funções. É assim que fazemos as passagens; nós canalizamos o Gnósis dos livros e os remodelamos através do pensamento, recriando uma forma criativa que já está a nossa disposição. — Fez um gesto com um dedo indo do livro pra a testa de Gio. — Compreende o processo, certo?
— Sim. Nesse caso eu poderia usar até um único livro para fazer uma passagem, mesmo que eu não tenha uma estante ao meu alcance?
— Garota esperta. Sim, se o livro tiver Gnósis para tal e, geralmente, tem. Já o mesmo não ocorre para nascer um biblios. Os livros parecem necessitar de combinações de Gnósis mais poderosos para que nasça um.
— O mesmo ocorre com os Grimoires? Eu posso ir de um lugar para outro com eles?
— Sim, por isso nós não carregamos livros e o mesmo truque que você me viu fazer para trazer o meu é o que nos leva de um lugar a outro. — Ofereceu-lhe o livro. — Quer tentar? — sugeriu e Gio o olhou um tanto surpresa.
— Ok, mas como?
— Lembra do que viu no interior do Grimoire? Pense no livro não como um objeto compacto, mas como um conjunto de elementos com energia a sua disposição. Acredite, você consegue. Uma vez que teve contato com o interior de um Grimoire, acho que ficará mais fácil para você. Veja. — Olhou para o exemplar em sua mão e este se dissolveu num pequeno turbilhão de energia onde Gio conseguia ver as letras e palavras misturadas, girando. Era incrivelmente bonito e impressionante. A cada gesto de Poliphilo aquele fluxo de energia rodopiante se transformava em algum objeto ou se expandia sobre sua palma quase até a envolver ambos. Era um verdadeiro sopro criativo sob seu controle. — Se quiser ir a algum lugar, ele vai te envolver e você saltara para onde quer. É como uma passagem, mas cabe na palma de sua mão. — Reduziu o fluxo e o estendeu devagar para a mão de Gio que o olhou um pouco ansiosa, mas o recebeu em sua palma. O fluxo ficou um pouco instável alguns segundos e acabou por estabiliza-se fazendo sua portadora se sentir mais confiante. — Está sob seu controle. Não estou interferindo — disse confiante e com um gesto inesperado segurou a outra mão de Gio, com firmeza. — Agora, nos leve para algum lugar.
— Onde? – não sabia se se sentia mais surpresa com a mão firme dele segurando a sua ou com o comando dado.
— Onde se sentir segura para testar.
Gio olhou o vórtice e, em um segundo ele tornou-se imenso, engolfou os dois e os arrebatou, sumindo no ar.
No segundo seguinte Gio estava parada na nave da fortaleza, onde haviam estado pouco tempo antes, com Poliphilo ao seu lado segurando sua mão e o livro na outra. Ela piscou surpresa e depois viu Elzevir parado junto com Salomon. Aparentemente estavam abrindo alguns pergaminhos sobre uma mesa quando foram interrompidos. Ele sorriu para os dois.
— Agora volte — Poliphilo deu a ordem e ela olhou o livro transforma-se em sua mão só com o pensamento do comando e ambos sumiram novamente.
— Crianças. — Elzevir olhou para Salomon que deu de ombros e ambos continuaram a examinar o pergaminho sobre a mesa.
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Gio teve a sensação que não respirara o tempo todo. Olhou para o livro em sua mão completamente a salvo, como se nunca tivesse se transformado em Gnósis pura. Poliphilo ajeitou o alvo e longo laço que envolvia a alta gola de sua camisa para sorrir calmamente em seguida.
— Viu? É fácil.
— Ok. Posso fazer igual em meu mundo?
— Sim, mas não é aconselhável diante dos outros por motivos óbvios — brincou. — Com um pouco mais de treino vai perceber que não precisa do Gnósis do livro para fazer isso, pode usar seu próprio Gnósis como nós mesmos fazemos, entende?
— Isso é fantástico. Parece muito mais fácil depois de ter lido o Grimoire. Acha que eu posso fazer outras coisas como um Grimoire?
— Se podemos, você também pode. Mas confesso que não sei se o processo é igual para a Gnóstis porque você não é composta do mesmo modo que nós.
— Os Sumidouros podem fazer o mesmo, não? — ela mudou bruscamente a linha das perguntas e Poliphilo a fitou um segundo.
— Você esteve lá, em minha fortaleza. Conseguiu sentir os Gnósis? São feitos por mais de um necromon, não é?
— Eles têm medo. Eles fazem os livros para se proteger. — explicou e ele caminhou até a lareira observando aquele fogo que não queimava, embora emanasse calor. — Eu estive pensando. Os livros puxam algo quando são tocados, como se funcionassem como uma armadilha. Não é algo diferente do princípio de jogar algo de um lugar para o outro. Já o livro de Nômade, era outra coisa... era quase como um Grimoire.
— Ele é bem poderoso. Com certeza isso faz muita diferença, mesmo sendo um necromon. Os livros dele não são composições coletivas, são únicas.
— Elzevir me disse que você é o maior especialista em necromons. Acha que eu posso vê-los?
— Se as suas habilidades estiverem num processo gradativo de despertar, acho que a partir de agora vai vê-los.
— Sabe onde achar necromons, mesmo sem vê-los? Onde ficam também deixam seus livros?
— Geralmente seus livros ficam em lugares onde existem livros, mas quase todos abandonados. Lugares pouco movimentados, mas não é uma regra.
— Pode me levar a algum lugar desses?
— Não. — A negativa de Poliphilo foi tão incisiva que Gio ficou sem resposta, apenas olhando-o. As mãos cerrando-se num gesto involuntário traíam a expressão controlada. — Não está pronta para ir a certos lugares. Precisa praticar mais e ainda tem de controlar o poder do meu Grimoire para...
— Pegar o Grimoire de Nabu. Eu sei, mas isso me parece importante também, pelo menos para mim.
Ele ficou em silêncio e pegou o livro das mãos de Gio, deixando-o sobre a mesa e sentando-se ao lado dela.
— Encontrar o Grimoire pode nos ajudar com Nômade e os necromons, por isso insisto. Não há tanto tempo assim.
— Por que não há tanto tempo?
— Não... — hesitou um segundo e depois continuou. — Tem de entender que um Gnóstis nunca existiu neste mundo. Você é a primeira conhecida. Para a maioria é só um tipo de mito e isso pode causar alguma confusão, entende? Temos de ser rápidos antes que o Conselho resolva intervir.
— Isso não seria bom?
— Levaria mais tempo e, talvez os necromons não tenham todo esse tempo.
— Me fale do Conselho. Elzevir já mencionou algo — pediu.
— Também são chamados de Arcanus. São compostos pelos biblios mais antigos. A maioria são alfarrabistas e controlam fortalezas onde guardam o conhecimento humano através das criações destes. Elzevir é um deles e já viu seu poder. Senhor da Fortaleza do Domo, como já sabe. Há Circinus que controla a Fortaleza dos Adormecidos...
— Elzevir me falou desse.
— Temos Grisial, senhor da Fortaleza dos Enigmas, Nomalanga, senhora da Fortaleza dos Sonhos, Bao Zhai, senhora da Fortaleza dos Arquivos Sagrados, Ganesha, o senhor da Fortaleza dos Grimoires e, claro, o Ourives. Este não é um alfarrabista, mas seu poder também é único. Ele é um especialista em composições e pode restaurar alguns Grimoires ocasionalmente.
— Grimoires estragam? — ficou surpresa.
— Podem se danificar se atingidos pelo poder de outro Grimoire, por exemplo. Já aconteceu no passado.
— Combates com Grimoires?
— Não acha que os primeiros biblios tinham muito juízo, acha? — sorriu um pouco.
— Pra isso existe Su Won? Ele é um dos Arcanus?
— Ah, Su Won. Sim, por isso ele existe. É o Guardião dos Livros. Ele não é um Arcanus, mas tem sua própria hierarquia dentro do Conselho. É um mediador e isso o faz ter uma influência considerável. Uma situação mediada por ele não costuma ter intervenção dos outros, a não ser que o Conselho se juntasse para pedir isso. — Recostou-se na poltrona oposta ao divã.
— Ele tem uma prisão, ou algo assim? — Gio achou muito estranho haver algo naquela linha em Imaginarium.
— Ah, não — riu um pouco e depois deu um suspiro. — Não existe algo assim por aqui porque não é preciso. Você pode ser encarcerado dentro de seu próprio Grimoire. — Seu tom de voz parecia frio e indiferente enquanto Gio o ouvia com certa surpresa. — Ele tem esse poder. Sentiu sua névoa fria? É o biblios que, de todos, mais pode reter o tempo. Ele pode fazer você ficar preso dentro de seu Grimoire indefinidamente ou até sentir que seu pensamento mudou sobre sua infração... ou até algo em você desaparecer e você deixar de existir dentro de sua própria criação.
— E quem controla Su Won? — Gio olhou para a chama da lareira.
— O Conselho, se eles assim decidirem. Até hoje não foi necessário. Conheço Su Won o bastante para saber que ele pararia se o Conselho lhe desse uma ordem. Ele tem essa natureza.
— E você também é um Arcanus?
— Sim — disse depois de lhe dar um sorriso um tanto maroto. — O mais jovem dos Arcanus, embora o termo Alfarrabista dos Mortos soe como algo decrépito.
— Eles não estão mortos.
— Eu sei. Eles só foram esquecidos. — Olhou-a longamente a ponto de Gio sentir o rosto levemente quente. Por um minuto tentou sentir o Gnósis de Poliphilo e lembrou-se da sensação aconchegante que encontrou dentro daquele livro.
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Você é assim, Poliphilo? Aquilo era o melhor de você?
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Parou no momento em que imaginou que ele podia sentir a Gnósis dela também. Sentiu-se um pouco constrangia de tentar sondá-lo daquele modo. Mesmo que tivesse percebido ele não demonstrou nada e continuou:
— Obrigado por não se esquecer deles — disse por fim. — Agora, você precisa treinar. — Levantou-se de um rompante e pegou seu chapéu. — Vamos para um recinto mais aberto que esse. Não quero atrapalhar Elzevir mais.
— Onde vamos?
— Para um lugar onde só eu posso entrar na Fortaleza dos Esquecidos. — Piscou e estendeu a mão para ela. — Pronta?
— Pronta. — Sorriu confiante e segurou na sua mão para desaparecem no segundo seguinte.
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Estavam na Fortaleza dos Esquecidos, mas se alguém lhe dissesse que havia um lugar assim ali, Gio teria duvidado muito. Ao contrário do que vira antes, este não era um recinto taciturno e solitário. Antes, assemelhava-se a uma imensa estufa de dimensões palacianas, onde as abóbadas gigantes compostas de ferragens brancas sustentavam as límpidas estruturas de vidro, deixando uma poderosa luminosidade inundar o ambiente. Ao seu redor a agradável paisagem que se erguia trazia uma sensação vívida de contentamento. Aquilo realmente se parecia mais com Poliphilo do que a taciturna estrutura onde a imensa biblioteca dos Sumidouros se erguia.
— Aqui é muito mais reconfortante que onde estive antes — confessou.
— O que você fez foi bastante arriscado. Sorte sua que Su Won não consegue captar rastros aqui dentro.
— Existem muitos lugares assim nesta fortaleza? — fez um gesto indicando o ambiente.
— Quantos forem necessários.
— Porque é tão escuro onde ficam os livros?
— É algo que se torna um tanto incontrolável depois que você acumula certo tipo de Gnósis. Sabemos que os livros que ainda as possuem e estão aqui não tem funções propriamente criativas, mas de sobrevivência. Da mesma forma esta fortaleza criou, por si só, a habilidade de impedir que passagens sejam rastreadas.
— Assim como você, pelo que Elzevir me disse. — Completou.
— Assim como eu. É verdade. — Fez um leve gesto e grandes vidraças se abriram para deixar os aromas das plantas entrarem no local. — Mas nem tudo tem de ser assim. Eu posso criar ambientes diferentes em recintos onde não há livros dos necromons. — Observou um pequeno e diferente ser extremamente colorido esvoaçar de uma árvore para perto da janela onde estava e sorriu. Gio nunca tinha visto nada como aquilo e era, definitivamente, um ser que não parecia ter um equivalente na natureza do outro lado.
— O que é?
— Alebrije. — Sorriu ao ver a surpresa de Gio — Aqui é Imaginarium. Que melhor lugar que este para eles estarem?
— Então, teoricamente, poderiam existir dragões aqui ou baleias voadoras? — sugeriu enquanto olhava pela janela a procura de algo que confirmasse suas expectativas.
— Poderia até ser um biblios — ele sussurrou no seu ouvido e fez o pequeno ser pousar na mão dela. Era uma criaturinha extremamente amigável que faria inveja a qualquer quimera imaginável. Agitava suas asas multicoloridas que, assim como a cabeça, lembravam uma coruja, mas o corpo era como de um pequeno felino e tinha uma longa cauda escamosa. Não apenas o corpo era um pequeno quebra cabeças, mas as cores e padrões neles se encaixavam de forma inacreditável, reluzindo quando os raios de sol incidiam sobre seu corpo. O quanto aquilo era real não importava porque começou a compreender que aqueles valores limitantes não tinham espaço ali. Tudo estava e não estava. Tudo era válido dentro daquele universo e isso era algo libertador.
Sorriu enquanto acariciava o pequeno ser que se sacolejou e finalmente saiu voando numa ondulação graciosa, como uma borboleta, para o grande bosque que se via através da paisagem. Ouvia a voz de Poliphilo enquanto lhe falava sem tirar os olhos da paisagem:
— Isto é sobre os limites, senhorita artesã. Assim como tudo isto é fruto da energia criativa humana, acumulada aqui por milhares de anos, se moldando e vicejando numa outra realidade, você também pode ser assim, como uma Gnóstis. Então, o que mostrar? Como gostaria de manifestar o poder de um Grimoire?
— Você disse que o Grimoire de Nabu está com esses biblios, Ganesha e que ele é o mais antigo dos biblios, certo?
— Sim, ele é o senhor da Fortaleza dos Grimoires. Saiba que você terá de apresentar um Gnósis mais poderoso que o dele para poder ter o direito de guardar a arca segredo onde o livro repousa — explicou. — Não existe nada que impeça que um humano seja o guardião, desde que possua esse requisito. Claro que nenhum humano tentou isso antes, mas você tem todas as caraterísticas de um biblios dentro de si. Você emana um Gnósis como o nosso.
— Acredita que eu possa sobrepujar um ser que tem centenas de anos?
— Milhares — corrigiu e deu um sorriso. Gio arregalou os olhos num protesto mudo e sentou-se numa cadeira de jardim em estilo rococó que fazia parte do ambiente. Tirou os óculos e os limpou lentamente como se estivesse matando tempo enquanto pensava em como formular as perguntas. — Se saiu muito bem até agora. — Animou-a sentando-se perto dela.
— Como eu vou fazer isso? Quero dizer, vocês nasceram neste mundo cheio de coisas incríveis e eu... eu só conheço bem os limites do meu mundo.
— Mas tudo que nós criamos ou que surge espontaneamente em Imaginarium é um reflexo do seu mundo, da criatividade de vocês.
— Poliphilo, eu vi aquilo que está dentro do Grimoire. É algo imenso demais pra ser materializado, mostrado ou o que for.
— Talvez só precise ser sentido. É justamente porque Ganesha é tão antigo que creio que será o que a compreenderá melhor — disse num tom confiante e tranquilizador.
Gio ficou pensando e se levantou como se estar sentada de repente atrapalhasse alguma linha de raciocínio. Começou a perambular e a olhar para o ambiente, prestar atenção nos sons que vinham de fora e tocar nos objetos.
— Você criou uma parte disso usando seu Grimoire ou apenas o Gnósis?
— Posso alterar muitas coisas em mim diretamente através do Gnósis, mas quando eu crio coisas maiores e externas, o Grimoire é um canalizador eficiente. Leva tempo para criar um Grimoire, assim como você leva para montar um livro.
— Quando você desmaterializa seu Grimoire “onde” ele fica?
— Onde você guarda tudo que pensa? — instigou-a.
— Na memória? — continuou a partir disso. — Quer dizer que você guarda seu Grimoire dentro de sua mente? É como se fosse uma dimensão, é isso?
— Onde você guardaria algo muito precioso? — sugeriu.
— Dentro... dentro de alguma memória? De uma boa memória. — Sorriu um pouco e pensou em quais memórias poderia escolher para tal objetivo. — O lugar mais seguro, como um palácio da memória, mas funcionando como um forte. — Parou por um segundo como se uma luz começasse a surgir em sua mente. — Então, vocês sempre carregam seus Grimoires. Eu nunca vi o de Elzevir, ele não o expõe?
— Elzevir, assim como Ganesha são antigos o bastante para não precisarem tirar os Grimoires de suas memórias ao criar coisas imensas como as fortalezas.
— Então eu não verei o Grimoire de Ganesha?
— Provavelmente ele irá mostrá-lo se sentir que é necessário. Seu Grimoire se chama Vighnaharta e possui um belo Gnósis.
— Um biblios pode criar um Grimoire ou parte da realidade de Imaginarium, mas pode criar outro biblios ou transformá-lo? Pode criar algo que viveria em Imaginarium?
Poliphilo parou de sorrir e a fitou pensativo.
— Um biblios pode desmantelar um Grimoire, pode “matar” indiretamente outro biblios se destruir intencionalmente livros que compõem esse ser, mas não tem poder de recuperar alguém que já se foi ou cria-los. Para isso seria preciso um tipo especial de... Gnósis. — Parou de falar e continuou olhando para Gio. — Eu não sei exatamente até onde seu poder pode ir como uma Gnóstis, mas com certeza isso é algo que Ganesha não pode fazer.
— Então eu acho que sei o que posso fazer para mostrar que sou digna de guardar o Grimoire de Nabu, mas vou precisar do seu Grimoire emprestado. Só pra ver se minha teoria está certa. — Deu um sorriso constrangido e Poliphilo voltou a sorrir um pouco, balançando a cabeça.
— Vou confiar que não vai desmontar a camada de Imaginarium como fez da primeira vez. — Num único gesto o belo Grimoire se materializou em sua mão e flutuou até ela.
Gio o pegou com cuidado como se fosse algo quebrantável, apesar de sua imensa solidez. Como sempre ele vibrava como algo vivo que respirava tranquilamente, completamente seguro em suas mãos. Pensou que se gatos fossem livros, seriam Grimoires.
— Eu vou tentar fazer uma coisa. Me diga se isso poderia rivalizar com o poder de Ganesha.
Poliphilo concordou com um aceno de cabeça, mas o que viu a seguir superou suas expectativas.
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